
Sapatos de salto recém arrebentados na mão, meus pés descalços apreciavam o calor e maciez do carpete, sensação que subia pela espinha e se encontrava com o frio que o ar-condicionado, abaixo da temperatura ideal, me fazia sentir através da costa nua. Fim de noite, ou seria o começo da madrugada? Nada me fazia crer que havia vida naquele lugar e àquela hora. O ritmo marcante da música lá em cima havia se extinguido, eu já estava fundo o suficiente pra não mais ouvi-la. A razão para eu estar ali se perdeu com os fantasmas do cassino apagado e com o fim do barulho de moedas retinindo na bandeja de metal. O glamour do lugar não foi o suficiente para me fazer lembrar completamente do meu desejo, apenas trouxe um sentimento de procura, necessidade de descobrir algo, misturado a uma intensa e total luxúria. Nesse momento não ligava para as futuras e óbvias consequências, queria achar algo que sabia que não estava ali para ser achado. Mas queria uma pista, uma única evidência que não estava louca e que conseguiria resolver uma parte daquele mistério sem nome.
À tarde isso não me incomodava, já tinha me acostumado a não achar nada durante o dia mesmo. Mas à noite tudo vinha à tona no jantar, olhos me fitavam no horizonte do restaurante e eu em vão tentava achá-los, não conseguia nem se quer faze-los encontrar os meus, e em instantes tudo parecia evaporar, nada mais estava ali para ser visto, era como se o ar abrisse uma cortina para envolve-los. Um segundo de distração era o suficiente para a magia do momento, que parecia ser só minha, mas eu tinha certeza que não, se acabar em nada. E apenas por mais um instante isso voltava a acontecer, onde a música marcava o ritmo dos passos. E só. Sumia, mas dessa vez mais lentamente do que nas outras vezes, desfilava um brinde diferente a cada noite e me tentava mais e mais a desfazer todo o mistério envolvido naquele ritual masoquista.
Continuei pelos corredores e salas frias, vaguei por um tempo, entrei aqui e ali, e ainda sem saber ao certo o que fazia. A esperança ficava cada vez menor. A cada bar encontrado vazio era mais uma desilusão. De vez em quando, mais por educação do que por vontade, respondia aos animados "boa noite" que me dirigiam e tudo até chegava a parecer menor morto e mais quente, por pouco segundos, que pena. Depois de vasculhar cada canto à procura, cansei. Nem, ao menos, sabia onde descansava o tal mistério, o lugar no qual, provavelmente, ele se encontrava todo o tempo em que não estava enxendo meus pensamentos com idéias malucas ou me dando vontade de sair correndo.
O tormento se repetia, e se um lado meu queria desvendar o mistério o outro torcia para que nada acontecesse, o outro lado era fiel ao pensamento deixado em terra, amava incondicionalmente, ligava pra as consequências e acima de tudo confiava na confiança. Tudo se misturava e formava a dúvida se aquilo era certo ou errado, errado. E depois, mesmo que errado, se valeria a pena, não. Mas mesmo com toda essa convicção momentânea, o lado duvidoso de mim se juntou com as pesadas cortinas e com o ambiente poderoso e fez a dúvida vir com tudo novamente. Resolvi voltar para a batida e para a vida. Me conformei que nada aconteceria e o lado equilibrado de mim vibrou com a decisão.
Agora, de volta à vida normal da minha existência, percebi que eu não tinha que achar o que procurava, além disso, foi melhor não ter encontrado, muito melhor, me fez bem. A pergunta de onde a tal coisa descansava vai continuar pra sempre na minha memória junto com a dúvida se fiz o certo e se valeria a pena fazer o errado, mas só na memória, pois na realidade somente ficará a realidade, e dessa não me arrependo nem um pouco, essa não dá pra mudar.